(Ano sim, ano não)


Ano sim, ano não
- © Lenise M. Resende –
 
Comigo o Natal é assim:
tem o ano do não,
e o ano do sim.

Um ano apareço na festa,
sorrio, me divirto à beça
No outro, camisola é minha beca,
e durmo na hora da festa.
 
Não gosto desse Natal de excessos de comidas e presentes. Será que o aniversariante gosta? Não consigo imaginar Jesus, satisfeito em ver pessoas gastando o que não podem, e comendo o que não devem. Além do mais, com roupa de festa, num dia de calor escaldante. Aqui no Rio de Janeiro, no mês de dezembro, o calor é insuportável.
 
Dezembro é o mês das formaturas, matrículas escolares, e início das férias. Um mês em que o dinheiro parece ser pouco, para tudo o que necessitamos fazer. Se é um mês de muitos gastos, por que inventar mais gastos? Se o aniversário é de Jesus, por que não pensar no que ele gostaria? No dia 25 de dezembro, a minha opção é por simplicidade e praticidade. Se meu filho precisa de roupas novas, é o que ele vai ganhar. O som que ele tanto quer, só irá ganhar no aniversário dele (se eu puder dar).
 
Não me martirizo por aquilo que não pude dar, e por aquilo que não pude fazer. Alegro-me com o que pude comprar, e com aquilo que pude fazer. Não consigo ajudar uma escola de excepcionais, mas procuro fazer o melhor pelo meu filho que também é especial. Não consigo ajudar um asilo de idosos, mas procuro fazer o melhor por aqueles que são da família.
 
Nem sempre participo de campanhas de Natal. Eu até poderia reunir os brinquedos usados, que limpei e melhorei o visual, e dar para alguma campanha, mas não dou. Se minha empregada tem quinze netos, a faxineira outros tantos, e o porteiro do prédio muitos sobrinhos, por que ir tão longe? É fácil pensar que as crianças do país tal estão sofrendo, e não perceber que aqui pertinho acontece o mesmo. É fácil pensar que, só no Natal, as pessoas necessitem de atenção.
 
Não tenho o costume de doar somente objetos usados. Vou comprando e reunindo-os aos poucos, e distribuindo-os da mesma forma. Gosto de doar material escolar no início do ano. As crianças adoram começar o ano escolar com material novo. Quem não lembra do cheirinho gostoso que tem um lápis ou uma borracha novinhos? Gosto muito de distribuir lembranças de Páscoa, sempre com chocolates, é claro! Gosto de espontaneidade, de dar porque tenho vontade, sem data marcada.
 
O bacalhau é o prato principal do Natal na minha família, mas, numa ocasião em que não compareci na ceia tradicional, fiz um jantar comum aqui em casa. Alguns dias antes, perguntei a todos o que gostariam de comer no Natal (valia bife, pizza, batata frita, etc.), e fiz a ceia dos desejos pessoais - não aquela ceia de origem europeia.
 
A caçula queria tender, peru, pernil, e tudo mais que ela ouve falar que faz parte da ceia de Natal, por isso me disse: - Você falou que não ia montar a árvore de Natal e, depois, mudou de ideia. Quem sabe você muda de ideia de novo e acaba fazendo a ceia?
 
Realmente, eu montei a árvore, mas não estava com vontade de enfeitar. Coloquei a árvore no chão, para que ela alcançasse os galhos, e lhe entreguei os enfeites. Ela tentou colocar os laços, mas não gostou do resultado. Pediu ajuda para minha mãe, que naquele dia veio aqui almoçar. As duas começaram colocando laços e maçãs vermelhas, depois, abriram a caixa dos enfeites dourados, e pensaram em mudar tudo. Acabaram fazendo uma mistura desordenada, uma mistureba. Colocaram luzes e ficaram felicíssimas. Ficou uma beleza artesanal e alegre.
 
Bom de ter jovens em casa é isso: se você não está com vontade de participar da festa, é só dar o material necessário, e permissão para que eles façam sozinhos, que eles se viram. O passado foi bom, mas o presente pode ser também. Além disso, esse presente vai ser o passado desses jovens.
 
Gosto de quebrar tradições como essa da ceia. E, sem as amarras dos modelos do passado, me solto, crio, e me divirto do meu jeito.
 
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Nota - Crônica filosófica (reflexão a partir de um fato ou evento)
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Um comentário:

lenise-m-resende disse...

“Fazer modificações nos rituais do Natal em família é uma forma de começar um novo ciclo” (Nancy Kiel, pesquisadora da Universidade de Loyola, nos EUA)